terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Receita de ano novo

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)
 

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
 

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

Carlos Drummond de Andrade



E com essas sábias palavras, me despeço de 2010, saío de férias amanhã e vos desejo uma liinda passagem de ano! Um 2011 de renovações, sabedoria, satisfação e esperança e inúmeras possibilidades!.TUDO NOVO, DE NOVO!

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

A VIOLÊNCIA DA GLOBALIZAÇÃO



Marcos Monteiro*

A violenta luta contra a violência no Rio de Janeiro transforma em imagens a complexidade do mundo em que vivemos. Urbanização e globalização são palavras que nos definem e descrevem um processo de múltiplas faces que se consolidou ao longo da história.

O primeiro encontro entre portugueses e nativos em nosso solo pátrio foi alegre e amistoso, mas armado. Arcos e flechas de um lado e arcabuzes do outro atestavam a descoberta mais antiga da humanidade: o ser humano é um animal muito perigoso. Causar sofrimento, dor e morte, é uma das habilidades desenvolvidas pela civilização, com todo um investimento de tempo, dinheiro e inteligência racional, esse detalhe que faz o humano mais humano.

Desse modo, violência e humanidade andam de mãos dadas, estando as questões políticas e econômicas inevitavelmente envolvidas. Na Alemanha de Hitler, empresas ofereciam os seus produtos, gases asfixiantes para exterminar judeus, destacando a eficiência, relação eficácia-custos, para vencer a concorrência. Exterminar humanos era um empreendimento lucrativo que merecia o uso da racionalidade para o aperfeiçoamento do produto.

Ainda hoje, a grandeza de uma nação pode ser medida pela sua capacidade genocida, habilidade adquirida pela produção e aplicação de material bélico. Porque, aliás, ninguém fabrica um artefato para não usar, e todo produto precisa ser experimentado para facilitar o seu aperfeiçoamento. A simples posse desse armamento sofisticado explica parte dos motivos para a recorrência das guerras no nosso mundo atual. A indústria bélica precisa vender material de qualidade comprovada; a transmissão ao vivo de guerras também é procedimento de marketing para clientes atentos.

Portanto, se globalização e urbanização são parâmetros de definição do mundo de hoje, vivemos forçosamente uma violência urbana de natureza global. Isso significa violência oficial e violência clandestina, violência estrutural e violência simbólica, violência existencial e violência social, diversas nuances e vertentes da violência que não podem ser reduzidas a essa eterna simplificação que tentam nos impor: bons e maus, ou violência do bem e violência do mal. Paulo Freire afirmava que entre as prerrogativas que as elites dispõem para si mesmas, estaria o direito arbitrário de definir o que é violência, ou quem é violento.

A violência dos criminosos do Rio de Janeiro é apenas uma das tonalidades da violência do país. A guerra contra a violência não pode ser de natureza violenta. Quando as mesmas armas e processos são usados dos dois lados, a lógica da violência permanece e o único resultado possível disso tudo será exatamente a produção de pessoas, artefatos e procedimentos cada vez mais violentos, aperfeiçoamento progressivo e maléfico associado à urbanização e à globalização.

Natal, 26 de novembro de 2010.

*Marcos Monteiro é assessor de pesquisa do CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da Comunidade de Jesus em Feira de Santana, BA. Também é coordenador do Portal da Vida e faz parte das diretorias do Centro de Ética Social Martin Luther King Jr. e da Fraternidade Teológica Latino-Americana do Brasil
CEPESC – Centro de Pesquisa, Estudos e Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br, site www.cepesc.com.
Fone: (71) 3266-0055. Veja esse texto também no blog www.informativo-portal.blogspot.com